Recentemente me fizeram uma pergunta:
Por que Deus nos pede para amar? O amor é um compromisso ético apenas, ou há uma "necessidade" ontológica na lei do amor? E se sim, qual e como seria?
Para compreendermos esta pergunta sobre a necessidadse do amor é preciso ter presente como ele se liga ao tema da Vontade de Deus e da criação: é da Vontade de Deus que amemos o bem verdadeiro e, em última análise, Deus mesmo que é a própria Bondade.
Mas porque e como isso é assim? A resposta está no ato criador livre de Deus.
Todas as criaturas (excluídos os anjos e o ser humano), realizando e agindo instintivamente conforme sua natureza (essência), cumprem fielmente a Vontade de Deus e glorificam-no, evidenciando, como efeitos seus que são, a sua mesma grandeza de Bondade. Como Deus e sua Bondade não são realmente distintos, as criaturas irracionais, no fundo manifestam o próprio Deus e nisso dão-Lhe glória.
Agora, Deus em seu ato criador, quis também trazer à existência algumas criaturas que Lhe dessem glória não cegamente por instinto, mas por amor. Ou seja, que, conhecendo com sua inteligência a Bondade, a Verdade e a Beleza e atuando em conformidade com sua natureza, também proclamassem livremente a Sua grandeza.
O fato de uma criatura livre buscar o bem e realizá-lo em sua vida por amor é infinitamente superior às ações das criaturas irracionais que sempre, necessária e inconscientemente, fazem a Vontade divina. Nisso, contudo, está o drama da liberdade: o risco constante de ela se voltar contra Deus.
Mas não devemos entender a necessidade de amar a Deus como um comando autoritário de sua Vontade que devemos seguir cegamente. Ao contrário, amar a Deus se configura como uma necessidade porque o objeto mesmo da realização e da felicidade humana reside no conhecimento e na participação da divindade.
Aristóteles, de fato, depois de apresentar seu célebre argumento para a existêcia Deus, nos reporta uma descriação de sua natureza e atributos: Deus, o Primeiro Motor Imóvel, é uma inteligência que pensa e contempla a si mesma. Ademais, Ele é vida, pois a atividade inteligente se atribui aos seres vivos. Por ser pura atualidade, sem imperfeições ou potencialidades que ainda não realizadas, Deus é eterno e ótimo. Logo a Ele "pertence uma vida perenemente contínua e éterna: isto, portanto é Deus" (ARISTÓTELES, Metafísica, XII, 7).
Deus eternamente conhece ou contempla a si mesmo "e seu modo de viver é o mais excelente: é o modo de viver que só nos é concedido por breve tempo" (Ibidem). Ou seja nós também podemos participar, de modo imperfeito, dessa atividade divina que é a contemplação do Primeiro Princípio da realidade. Está é, de fato, a atividade mais elevada de nossa falculdade que nos distingue como seres humanos: a razão.
Por isso que no livro da Ética, o mesmo Aristóteles afirma que a felicidade humana reside nesta atividade contemplativa:
“Por conseguinte, a atividade de Deus, que ultrapassa todas as outras pela bem-aventurança, deve ser contemplativa; e das atividades humanas, a que mais afinidade tem com esta é a que mais deve participar da felicidade” (ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, X, 8).
Por outro lado, por que devo amar não só a Deus, mas o meu próximo como a mim mesmo? Porque Deus mesmo quer isso. Novamente, não de modo autoritário, pois é também sua Vontade que amando o próximo, vivendo autenticamente uma vida na comunidade (sendo o que Aristóteles dizia "animal político") realizemos nossa própria natureza que nada mais é que realizar nosso próprio bem.
Nós nos unimos em comunidade porque não somos capazes de alcançar sozinhos tudo aquilo que é um bem para nós. Mesmo que, em tese, possamos ser o próprio educador de nossos filhos, o médico que cuida de nossa própria saúde, o construtor de nossas casas, etc... não temos tempo hábil de vida para isso. Em suma, o bem comum da sociedade se materializa naqueles bens humanos que só se alcançam em conjunto com nossos semelhantes.
Por essa razão, vemos na face de outra pessoa um reflexo de nós mesmos — um “outro eu” — com os mesmos anseios e necessidades. Ao contrário do que acreditava Sartre, para quem “o inferno são os outros”, o rosto de outra pessoa é um espelho de nossa própria alma. E assim como buscamos e amamos nosso próprio bem, também devemos buscar e amar o bem do próximo.
Portanto, ao praticarmos o bem em relação aos outros, no fundo, estamos promovendo o nosso próprio bem; estamos realizando nossa própria natureza e, assim, cumprimos a Vontade de Deus.
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