Muito se fala hoje em dia sobre a tal da “formação do imaginário”. A ideia não é nova; Carl Jung, fundador da psicologia analítica cunhou os conceitos de “arquétipos” e “inconsciente coletivo”. Contudo, nas rodas de discussões virtuais, o tema vem sendo enquadrado à luz da leitura feita pelo Prof. Olavo de Carvalho, apresentando-se em um recorte mais proativo de formação individual: um passo prévio ou condição para a formação intelectual.
Até pouco tempo, eu desconhecia o pensamento e a obra do Prof. Olavo, e posso dizer que ainda conheço muito pouco. Isso mudou quando um aluno do meu curso de filosofia da ciência perguntou qual era minha opinião sobre ele. Disse que só sabia o que se veiculava na mídia e que, por honestidade intelectual, teria que pelo menos ler um livro dele para poder emitir qualquer juízo. Na outra semana, esse aluno me deu o livro “A filosofia e seu inverso”. Depois vi alguns vídeos na internet, nada muito sistemático.
Não quero aqui expor minha apreciação sobre o pensamento do Prof. Olavo; quem sabe em outra ocasião o faça, pois considero que ainda conheço muito pouco dele. Apesar disso, uma ideia muito verdadeira que extrai dessa primeira aproximação foi a de que os grandes filósofos da antiguidade acertaram nas grandes questões, apesar de alguns terem errado nos detalhes. Algo que eu também já havia percebido e buscava transmitir aos meus alunos. Especialmente no que se refere ao filosofo Aristóteles que, por um erro em sua teoria física, acabaram como se diz “jogando fora a criança junto com a água do banho”.
Uma qualidade que se deve reconhecer no Prof. Olavo é a capacidade de expressar conceitos abstratos por meio de descrições simples e vivas, dotadas com um grande potencial conteudístico. Este é o caso do conceito de “formação do imaginário”. A ideia é simples e já estava presente em Aristóteles e São Tomás: “nada chega ao intelecto que não tenha passado antes pelos sentidos”. Por tanto, se a educação dos meus sentidos é deficiente, também será minha formação intelectual. A ideia de “formação do imaginário” tem o mérito de ter chamado a atenção para o fato de que a formação intelectual é totalmente dependente da adequada formação de nossas faculdades cognitivas prévias ao desenvolvimento intelectual. Isso, pode-se dizer que é um grande acerto.
Não obstante, creio que a tradição aristotélico-tomista pode ajudar bastante nessas discussões. Isso porque a ideia de “formação do imaginário” por ser bastante abrangente, acaba por não enfatizar dois pontos importantes na formação de nossas faculdades sensitivas. O primeiro é que Aristóteles e São Tomás distinguem claramente entre sentidos externos e internos. Sim, além dos 5 conhecidos sentidos externos, temos também sentidos internos. São eles: sentido comum (que consegue reunir as informações captadas pelos diversos sentidos externos em uma só representação), memória, imaginação e a cogitativa. Esta distinção é importante, especialmente nas crianças pequenas. O primeiro passo na formação do imaginário é o estímulo dos sentidos: brincadeiras envolvendo o tato, a visão, audição, etc.
Em segundo lugar a expressão formação do imaginário passa a ideia de ser a imaginação o mais importante dos sentidos internos. Segundo São Tomás, o sentido mais elevado, que alguns animais mais desenvolvidos também possuem, é a cogitativa. Isso é um tema bastante debatido no tomismo, mas o filósofo Cornélio Fabro fez um ótimo trabalho ao identificar a cogitativa com o que a psicologia moderna chama de percepção que seria como um marco interpretativo prévio e quase inconsciente da realidade, antes mesmo de expressarmos conceitos mais abstratos e racionais: é a formação da sensibilidade estética, dos grandes valores que moldaram nossa civilização ocidental, do sentido de verdade como adequação à realidade, da transcendência como fundamento da imanência.
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