Muitas vezes tenho comentado e criticado por aqui a narrativa simplista da ruptura entre pensamento medieval e modernidade.
Resumidamente, a história que sempre nos contaram é mais ou menos assim: na Antiguidade greco-romana floresce o pensamento racional, a filosofia e o direito.
Depois vem um período de mil anos de escuridão, decadência e ignorância dominado pela influência da Igreja e seus dogmas.
Em seguida, rompendo radicalmente com a Idade Média, surge o Renascimento e a Modernidade com a arte, a arquitetura, a pintura, a música, a ciência. A humanidade somente avançou depois de tirar Deus do centro, colocando o homem em seu lugar.
Essa narrativa falsa menospreza não somente os grandes autores da Idade Média em geral; ela desvaloriza sobretudo a herança Ibérica de nossa cultura. No século XVI, Portugal e Espanha estavam na vanguarda intelectual da Europa. Essa época ficou conhecida na filosofia como Segunda Escolástica. Autores como Pedro da Fonseca, Francisco de Vitória, Domingo de Soto, Domingo Bañez, Martin de Aspicueta, Francisco Suárez já tratavam de temas como direito internacional, teoria monetária, dignidade dos índios, o caráter não divino dos reis, etc.
Podemos nos perguntar porque esses autores portugueses e espanhóis que contavam com uma produção intelectual imensa e que influenciaram diretamente nossa cultura permanecem completamente esquecidos. A resposta está em Hegel (autor protestante). O cânon de filósofos e correntes de pensamento que hoje seguimos em nossos currículos escolares e universitários se deve à influência de suas “Lições de história da filosofia”.
Hegel, ao escrever suas lições (posteriormente publicadas como livro), se baseou em um manual de filosofia da época. Nesse manual havia um capítulo inteiro sobre Suárez, uma dos maiores expoentes da Escolástica Espanhola. Ele propositalmente pulou esse texto... foi o sufiente para que a história da filosofia esquecesse toda uma miríade de autores e obras da Escolástica Tardia. Um tersouro que precisa urgentemente ser redescoberto!
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