O rosto humano do embrião
Não obstante as evidências científicas comentadas no primeiro post, muitos ainda duvidam se o embrião humano é ou não uma verdadeira pessoa humana; ventila-se com frequência a ideia de que a pessoa se constitui pela presença atual de alguns atributos que lhe caracterizam: a consciência, a liberdade, a responsabilidade, a intersubjetividade, etc. Agora, o embrião não manifesta nenhum desses predicados, por tanto, não seria propriamente uma persona.
Mas afinal, o que é a pessoa? Qual é o fundamento para se afirmar que o embrião humano é também uma pessoa humana?
Determinar os contornos do que seja ou não uma pessoa é importante, pois o termo denota a ideia da dignidade de seu sujeito: é em função da dignidade que uma pessoa é sempre “alguém” e nunca simplesmente “algo” (deixo para outro momento a explicação do tema referente à dignidade humana).
O significado que hoje temos de pessoa foi se delineando no começo do cristianismo. Inicialmente o termo era utilizado para esclarecer questões trinitárias e cristológicas: a Trindade é um só Deus em três pessoas; Cristo é uma pessoa que exercita duas essências ou naturezas, a humana e a divina. Contudo, a origem da palavra é mais antiga. Ela vem do latim “persona” que traduz o grego “πρόσωπον” [prósopon]; expressões que significavam a máscara que os atores utilizavam nas representações teatrais.
No teatro antigo, a máscara tinha a função de ajudar na representação do personagem, contribuindo também para que a voz do ator ressoasse com mais força. Esse significado mais primitivo foi se aproximando das manifestações mais externas daquilo que é ser uma pessoa. De fato, “πρόσωπον” vem de “pros” (diante de) e “opos” (rosto): um rosto que se coloca diante de mim.
Sempre associamos o rosto como aquilo que primeiro manifesta a identidade de alguém; um ser que não é simplesmente um objeto, mas "alguém"; um outro “eu”. Com o tempo, a expressão foi perdendo esse sentido originário e pessoa terminou se identificando com a palavra “ὑπόστασις” [hypóstasis] que se traduz como substância, substrato, fundamento, aquilo que realmente é, que está além das aparências.
Mas qual é o fundamento que está sob as máscaras das manifestações externas da pessoa? A reflexão patrística e a escolástica o localizou na racionalidade do ser humano. Por isso, Boécio definiu pessoa com uma “substância individual de natureza racional”.
Certamente a pessoa se coloca diante de nós [pros-opon] por meio de suas manifestações, mas isso não quer dizer que sejam elas o que constituem a pessoa. O caráter pessoal do ser humano reside em sua essência racional ou espiritual que lhe dá as condições para realizar os atos próprios de uma pessoa.
Consciência, liberdade, responsabilidade, intersubjetividade... são as máscaras que fazem ressoar [per-sonare] aquilo que a pessoa é em seu ser: todo indivíduo humano é necessariamente uma pessoa por seu ser racional, não por suas ações. Isso porque não recebemos nosso ser de maneira completa e acabada. Ele, ao contrário, vai amadurecendo segundo aquilo que está contido em sua essência. A inteligência e a vontade, por exemplo, são capacidades que a pessoa manifesta muito tempo depois do nascimento. Apesar disso, não deixamos de reconhecer uma pessoa no recém-nascido.
Da mesma maneira que uma criança amadurece e se torna um homem consciente e livre sem se transformar em outra coisa, assim também o óvulo fecundado apresenta um desenvolvimento genético que não reflete uma mudança de seu ser em outra coisa, mas somente a maturação gradual das capacidades que possui desde o início.
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