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  • Ivo Fernando da Costa

A jornada do Papai Noel: como o “sentido do Natal” converteu-se em “natal sem sentido”


São Nicolau, conhecido popularmente (ou talvez esquecido?) como "Papai Noel", foi o bispo católico de Mira, cidade atualmente localizada na Turquia, durante o século IV. Para nós, brasileiros, que fomos evangelizados principalmente por padres franciscanos, dominicanos e jesuítas que priorizavam as devoções dos santos de suas próprias ordens religiosas, a figura de São Nicolau parece distante, quase sem importância, perdida nos registros históricos.

 

Entretanto, São Nicolau foi e ainda é venerado amplamente em vários países. Nas igrejas orientais de rito bizantino, os ícones de São Nicolau têm grande destaque, ocupando o segundo lugar em quantidade após os ícones da Mãe de Deus.

 

A devoção popular a São Nicolau cresceu rapidamente. Aproximadamente cem anos após sua morte, no século VI, o imperador Justiniano ordenou a construção de uma igreja dedicada a ele em Constantinopla, evidenciando a consolidação de seu culto no oriente.

 

A fama de São Nicolau espalhou-se a partir de Constantinopla e, em 860, o Papa, que adotou o nome do santo, também ordenou a dedicação de uma igreja em Roma em sua homenagem. O culto a São Nicolau foi introduzido no Sacro Império Romano Germânico no século X pela esposa do Imperador Otão II.

 

Na segunda metade do século XI, enquanto os maometanos consolidavam a conquista da Ásia Menor, mercadores italianos, que consideravam São Nicolau um grande protetor dos marinheiros, transladaram suas relíquias para a cidade de Bari, na Itália, desenvolvendo-se ali um intenso culto e devoção ao santo.

 

Apesar da expansão da devoção a São Nicolau, há poucas informações concretas sobre sua vida. Conta-se que, após a morte de seus pais, ele viajou para a Terra Santa. Durante a viagem, uma forte tempestade atingiu a embarcação em que ele estava. No entanto, ao dirigir uma oração a Deus, a tormenta subitamente acalmou-se. Esse evento é considerado uma das razões pelas quais São Nicolau é tido como protetor dos marinheiros contra tempestades e raios, além de ser invocado contra desastres naturais em geral e contra a morte súbita.

 

Ele também é reconhecido por sua caridade e solidariedade para com o próximo. Conta-se que, em uma ocasião, impediu que três moças caíssem na prostituição devido à extrema pobreza em que viviam. O pai delas não tinha recursos para sustentá-las ou fornecer o dote para seus casamentos. São Nicolau jogou três sacos de moedas de ouro pela chaminé da casa da família que caíram sobre as meias das moças postas para secar na lareira.

 

São Nicolau também tinha fama de protetor e educador das crianças. Ele se preocupava em acolher os pobres, especialmente as crianças carentes, ajudando-as em sua educação e formação moral. Sua personalidade dócil e propensão para ajudar os necessitados fizeram com que fosse reverenciado e invocado pelos estudantes europeus.

 

A conexão mais estreita entre São Nicolau e a festa de Natal começou em 1823, quando o teólogo da Igreja Episcopal, Clement Moore, publicou o poema "A Noite Antes do Natal", descrevendo a visita de São Nicolau a uma casa na véspera de Natal. A secularização da figura de São Nicolau ocorreu em 1931, quando a Coca-Cola, aproveitando a fama e o interesse pelo santo, lançou uma campanha publicitária com uma nova versão do personagem. Agora, ele não mais usava os paramentos litúrgicos (a mitra episcopal, o báculo e a estola), mas aparecia com um gorro e um casaco vermelho, oferecendo uma Coca-Cola a uma menina. Nascia assim o Papai Noel...

 

Essa transformação de São Nicolau em Papai Noel revela algumas ideias importantes sobre nosso mundo contemporâneo. São Nicolau, inicialmente, estava ligado a uma visão cristã de mundo, sendo um verdadeiro santo que nos inspira a praticar virtudes específicas, especialmente a caridade, o desprendimento e a prática de atos de misericórdia corporal, como dar esmolas.

 

Agora, o Papai Noel se tornou um mero símbolo esvaziado de seu conteúdo original, remetendo apenas a uma data específica do ano em que, normalmente, as pessoas se reúnem para a troca de presentes. Em resumo, é um sinal que reflete uma visão materialista e imanente da realidade.

 

Mas como chegamos a esse resultado? Por que São Nicolau cedeu lugar ao Papai Noel? A resposta parece estar na ideia de "tradição". A figura autêntica de São Nicolau permaneceu enquanto era transmitida (no latim, “tradere”, “traditio”) ou passada de geração em geração como uma lembrança e um estímulo para imitar o modo de vida desse santo.


É no mínimo curioso que as ligações em torno da figura de São Nicolau começam a mudar quando um autor protestante, isto é, de uma corrente cristã que rejeita a ideia de tradição como veículo válido de transmissão dos conteúdos da fé, reinterpretou-o e o inseriu de forma arbitrária em um conto de Natal.


Sem a tradição, os símbolos perdem seu referente. Um símbolo, se não está ancorado em seu referente no mundo real, pode significar qualquer coisa. Mais ainda, pode ser incessantemente ressignificado por qualquer um. Mas se um símbolo pode significar qualquer coisa, ele no fundo não diz mais nada.


Eis aqui o sentido atual do Papai Noel e do nosso Natal: um realidade vazia e sem sentido.


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