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  • Ivo Fernando da Costa

Ciência x Filosofia:

Ciência e filosofia são saberes profundamente distintos, tanto no que se refere ao conteúdo quanto ao método.

Aristóteles e Galileu

Desde seu nascimento, a filosofia se caracterizou pela busca de um conhecimento abrangente, em profundidade e extensão, sobre qualquer coisa. Em extensão, por sua ambição de alcançar a essência das coisas; em profundidade, porque a mesma essência deveria ser encarada desde suas causas últimas e universais.


A ciência experimental moderna tem início com Galileu que desafiou esse modo tradicional de olhar para o mundo consolidado historicamente nos escritos de Aristóteles. Concretamente, ele propôs uma nova forma de investigação das coisas. Nesse sentido, é comum deparar-nos com juízos apressados afirmando que o astrônomo florentino era mais concreto e empírico, enquanto o filosofo grego mais abstrato e pouco cuidadoso ao inferir conceitos gerais de observações insuficientes.


Mas Galileu não foi o primeiro em privilegiar a experiência como via de acesso ao conhecimento da natureza. O franciscano Roger Bacon, no século XIII, já havia descrito o método científico a partir da observação e da experimentação. Ademais, num certo sentido, a ciência antiga de Aristóteles está muito mais próxima da consideração empírica da natureza do que a de Galileu.


O que marca realmente a origem da ciência moderna foi a afirmação de Galileu segundo à qual deveríamos renunciar o conhecimento das essências em nossos objetos de investigação. Para a ciência, seria necessário e suficiente isolar certos processos do contexto geral em que eles ocorrem, sujeitando-os a uma descrição quantitativa precisa e controlada. A formulação das leis e teorias científicas resulta, então, de uma atividade mediante a qual o cientista simplifica artificialmente alguns aspectos dos objetos reais que ocorrem na natureza.


Não chegamos, por conseguinte, às leis e teorias senão por meio de certa violência aplicada à natureza, isolando um fenômeno real do todo no qual ele se encontra e descartando todas as demais influências e circunstâncias que inviabilizariam o experimento. Porém, todos esses elementos abandonados na abordagem científica estão presentes no objeto de estudo tal como o encontramos na natureza. Logo, a ciência possui uma natureza ideal não sendo capaz de expressar imediatamente a realidade física.


O fenômeno considerado pela lei é sempre um fenômeno puro. Como tal, ele representa um caso abstrato de perfeição matemática em si mesmo irreal, pois nunca se realiza exatamente tal como vem descrito. Quantas vezes as experiências de laboratório, com as quais se tenta ilustrar a verdade das teorias científicas, passam a impressão de algo... não falso, mas artificial: “Em condições ideais de temperatura e pressão...”


Exigir uma correspondência exata ente teoria e realidade seria o equivalente a achar que poderemos encontrar no mundo físico, por exemplo, uma esfera perfeita tal como ela é pensada pelo geômetra ou matemático. Assim, da mesma forma que não encontramos na realidade essa esfera perfeita, assim também as leis e teorias só se verificam de maneira aproximada. De fato, essa folga entre teoria e realidade é um dos fatores que permite o aprimoramento constante da ciência.


A idealização é um movimento de ascensão ao que deve seguir, como contrapartida, um movimento de descenso em que a ciência deve se reconectar com a realidade. Essa reconexão, no entanto, será unicamente de natureza aproximativa. Nesse sentido, a teoria é exata na formulação, mais aproximada na descrição dos fenômenos reais. O ideal matematicamente descrito das leis e teorias — justamente porque é ideal — deve ser sempre ajustado conforme o desenrolar real das coisas.


Podemos afirmar, portanto, que a ciência experimental é um conhecimento não filosófico; ela exclui as dimensões profundas do ser que correspondem precisamente à investigação filosófica. Em outros termos, a ciência se constitui como um conhecimento autolimitado e circunscrito no seu objeto e no seu método, deixando de lado ou ignorando muitas outras características, aspectos e dimensões do real.


A filosofia, por outro lado, segue o caminho oposto. Ela se afasta dessa marca registrada da ciência (a especialização e limitação), pois o seu ponto de vista é o da totalidade. Daí que a revolução epistemológica da ciência moderna significou uma mudança tanto de objeto como de método na busca do conhecimento e da verdade. No que diz respeito ao objeto, o empenho por acessar a essência e suas causas foi posto de lado. A ciência de se limita à evidenciação descritiva de regularidades da natureza capazes de estabelecer apenas relações quantitativas, isto é, matemáticas, entre certos fenômenos. No que diz respeito ao método, a ciência deu prioridade ao estudo experimental num sentido ascendente ou indutivo com o apoio da matemática como um instrumento indispensável na elaboração dos resultados da experimentação.


O contraste que acabamos de descrever entre filosofia e ciência pode parecer um obstáculo para traçarmos vias de contato e diálogo entre estes dois modos de conhecimento. Tal dificuldade, contudo, não nos permite postular uma separação ou irreconciliabilidade radical entre filosofia e ciência. Afinal de contas, a realidade é uma só e um só é o intelecto humano que pensa filosófica ou cientificamente.



 

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA:


BARR, S. M. Modern Physics and Ancient Faith. Indiana: University of Notre Dame Press, 1953. LENNOX, J. C. Ciência Pode Explicar Tudo? São Paulo: Vida Nova, 2021. (link) PRIETO LÓPEZ, L. J. Ciencia, filosofía y teología: diferencia, complementariedad y armonía. Ecclesia: revista de cultura católica, v. XXI, n. 3, p. 325–351, 2007. SCHERZ, P. J. Science and Christian ethics. Cambridge: Cambridge University Press, 2019. (Link)

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