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  • Ivo Fernando da Costa

Relação entre Mito e Verdade em Tolkien

Relação entre mito e verdade em Tolkien

Expressão simbólica da verdade


Certa vez estava eu almoçando na universidade e me chamou a atenção uma conversa que acontecia na mesa ao lado. Favam sobre religião. Um dos estudantes argumentava que todas as religiões se reduziam a mitos e mitos eram sinônimo de falsidade, mentira. Para tal estudante, a única linguagem que revela a verdade é a científica ou fatual.

Como comentei em outro post, isso é uma mentalidade cientificista que se refuta a si mesma. Existem outras linguagens que nos dão acesso à verdade, dentre elas temos a simbólica.


Mas o que é a linguagem simbólica? Qual é característica essencial daquilo que chamamos símbolo?


Para compreender o símbolo, é útil compará-lo com a linguagem científica que, embora seja em certo sentido algo oposto à visão simbólica ou mitológica da realidade, é mais conhecido de nossa sociedade contemporânea.


Podemos conceituar linguagem científica como linguagem-fato. Nela os termos do discurso, aquilo que estamos descrevendo correspondem de maneira direta ou horizontal a fatos ou objetos do mundo. Quando afirmamos que a água, sob certas condições, ferve a 100º estamos significando diretamente isso e nada mais. Ou, por exemplo, quando falamos da caída do Império Romano, estamos dizendo que este evento, com seus personagens e protagonistas literalmente, aconteceu.


Com o mito, conseguimos captar verdades de maneira diferente, isto é, indireta ou vertical. Por exemplo, com o Mito da Caverna, Platão não estava afirmando que aquela narrativa realmente aconteceu. Mesmo assim, captamos algo mais que transcende ou que vai além de uma mera narrativa que coincidentemente pode de fato ter acontecido tal como é narrado ou pode ter acontecido em parte como a Guerra de Troia que se considera um evento histórico, mesmo que as narrativas que temos dela estejam envoltas em mitos.

Por isso que o mito ou a narrativa simbólica em geral, tem como característica essencial o apontar para algo além de si mesmo e dos elementos meramente materiais que o constituem. Uma placa de trânsito é um símbolo. Ela tem certas características materiais (tamanho, cor, forma), mas a sua realidade completa não se reduz a isso. Ela inclui, para ser realmente um símbolo, um significado para além daquilo que materialmente enxergamos.


Assim a característica dos mitos, no sentido clássico, é de serem narrativas (com ou sem um fundo fatual) que incluem em seu significado um conteúdo de verdade, uma sabedoria, sobre o homem, sobre o mundo ou sobre Deus.





Humphrey Carpenter, na biografia que escreveu sobre Tolkien, reproduz um diálogo em que o autor do Senhor do Anéis ilustra esta concepção de Mito como desvelamento e acesso simbólico à verdade:


"- Mas, disse Lewis, mitos são mentiras, mesmo que sejam mentiras envoltas em prata.

- Não, disse Tolkien, não são. [...] Você chama uma árvore de árvore e não pensa mais na palavra. Mas não era ‘árvore’ até que alguém lhe desse esse nome. Você chama uma estrela de estrela e diz que é só uma bola de matéria que se move numa trajetória matemática. Mas isso é meramente como você a vê. Nomeando e descrevendo as coisas desta maneira, você está apenas inventando seus próprios termos para elas. E assim como a fala é uma invenção sobre objetos e ideias, assim também o mito é uma invenção sobre a verdade.
Viemos de Deus e inevitavelmente os mitos que tecemos, apesar de conterem erros, refletem também um fragmento da verdadeira luz, da verdade eterna que está com Deus. De fato, apenas ao criar mitos, ao se tornar ‘subcriador’ e inventar histórias, é que o Homem pode se aproximar do estado de perfeição que conhecia antes da Queda. Nossos mitos podem ser mal orientados, mas se dirigem, ainda que vacilantes, para o porto verdadeiro, ao passo que o ‘progresso’ materialista conduz apenas a um enorme abismo e à Coroa de Ferro do poder do mal.”

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