Um pouco de antropologia filosófica
O tema “temperamentos” caiu, ultimamente, nas graças do grande público. Nesse contexto, muito se fala também sobre personalidade e caráter, mas sem demarcar com precisão o significado e a relação que há entre esses três conceitos.
A fim de esclarecer isso, devemos ter presente o que nos diz Santo Tomás: “é próprio do sábio não se preocupar com nomes” (sapientis enim est non curare de nominibus). Ou seja, mais importante que as palavras são as realidades que elas designam. Dessa forma, ao analisar os condicionantes de nosso comportamento, é preciso levar em conta três coisas.
1) O substrato natural: nascemos com determinadas tendências, inclinações, qualidades e defeitos. Todos compreendemos isso de modo intuitivo. Há quem tenha uma inclinação para atividades práticas, outros são mais introvertidos e reflexivos; alguns tem facilidade com idiomas, outros com os números, etc. Além disso, tais elementos naturais não nos influenciam isoladamente, mas se combinam e atuam uns sobre os outros. Por exemplo, uma emotividade muito acentuada pode ter um impacto no modo como se manifesta a extroversão de uma pessoa.
2) O substrato natural é algo potencial que se atualiza por meio das circunstâncias concretas nas quais a pessoa cresce. Essas circunstâncias normalmente são a cultura, a família, a educação etc. Uma pessoa naturalmente introvertida, pode ter esse traço acentuado se ela for criada em um ambiente mais sério e rígido.
3) Sob o substrato natural e sua atualização concreta viabilizada pela cultura e pela educação, temos o que o indivíduo voluntariamente busca formar. Seria o caso de uma pessoa que, tendo tomado consciência da importância da organização, se propõe melhorar esse aspecto de sua vida pessoal, mesmo que ela naturalmente seja desorganizada e tenha vivido em uma cultura que não valorize essa virtude.
Enfim, nosso comportamento está pautado em três linhas guias principais: o natural, o cultural e o voluntário. Ainda que na linguagem o importante seja o consenso das partes na determinação da relação entre significante e significado, são essas realidades que os termos devem significar. Por isso, penso que o arranjo mais adequado para tal fim seria o seguinte:
“Temperamento” para designar a esfera natural. O termo vem do latim “temperare” que significa a mistura (em justa medida) de diversos elementos. Nosso temperamento é a combinação de diferentes fatores inatos. No modelo dos 4 temperamentos, esses fatores naturais estão associados simbolicamente aos 4 elementos físicos da antiguidade: terra, água, fogo e ar. No modelo com 16 temperamentos, a dinâmica combinatória é parecida, mas com um apelo mais objetivo no que se refere aos elementos que entram em jogo: emotividade (sentimentos fortes ou não), atividade (grau em que uma pessoa está inclinada ou não à ação) e a ressonância (intensidade e persistência dos estímulos em nosso campo psíquico).
Com o termo “personalidade”, designamos o aquilo que a cultura e a educação adicionam sobre os temperamentos. O termo “pessoa” vem do latim “persona” que incialmente significava as máscaras usadas nas encenações teatrais. Cabe lembrar que na antiguidade o teatro não era somente um evento cultural de entretenimento; era sobretudo um acontecimento religioso e educativo. Nele se relembravam os mitos que continham, sob a forma de uma narrativa simbólica, a explicação da vida em sociedade e seus valores constitutivos. Logo, esse é um termo muito adequado para expressar os traços comportamentais que derivam da combinação do temperamento com aquilo que recebemos da cultura e da educação em geral.
Por fim, com a palavra “caráter” significamos aquilo que vamos formando em nós mesmos. A palavra vem do grego “χαρακτήρ” (character = punção, instrumento para esculpir, marca distintiva e indelével) derivada do verbo “χαράσσω” (charasso = escupir). Passa a ideia de algo difícil e complexo: tomamos a matéria bruta do temperamento e da personalidade para moldá-la com as virtudes, maximizando nossas qualidades e superando nossos defeitos.
Assim como o artista que, com sua técnica, extrai pacientemente do mármore uma obra de arte, assim também nós, com as virtudes, moldamos nosso caráter.
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OBS.: Deixei alguns textos sobre caracterologia e formação humana na seção "Materiais" aqui do site. Consulte a pasta "Formação humana". Acesse aqui!
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