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A filosofia do Jardim

Ivo Fernando da Costa

Pierre-Henri de Valenciennes. O Jardim de Epicuro

Certa vez, em um evento social, fui presenteado com um livro de filosofia. Fiquei muito feliz e imediatamente comecei a folhear a obra... não demorou muito para chegar a famigerada pergunta: “para serve a filosofia? Respirei fundo. Tentei esboçar uma resposta simples quando sou sarcasticamente interrompido: “filosofia são umas teorias nada a ver que o pessoal fica inventado...”


De fato, é muito comum, hoje em dia, associar a filosofia a uma atividade teórica desconectada da vida real das pessoas... nada mais longe da riqueza contida no sentido original da palavra e que podemos entrever na simbologia do jardim.


As tradições filosóficas da antiguidade possuem leituras distintas desta imagem, mas em todas, de um modo ou de outro, a ideia do “cultivo de um jardim”  aponta para a íntima conexão entre sabedoria e felicidade, ou seja, entre conhecimento e virtude.


A “Filosofia do Jardim” tem um papel central em Epicuro que funda sua escola precisamente em um jardim afastado de Atenas. É um lugar de retiro, tranquilidade e convivência onde se pode cultivar a mente e a virtude, afastando-se das preocupações mundanas e da vida pública. Nele pessoas que comungam o mesmo ideal "cultivam" uma vida onde os prazeres simples e autênticos (como a amizade, a impassibilidade ou ataraxia) podem ser apreciados sem excesso, em contraste com os desejos descontrolados que levam à dor e à ansiedade:


“Não é possível viver feliz sem ser sábio, correto e justo, nem ser sábio correto e justo sem ser feliz.” (Epicuro) 

Platão não utiliza diretamente a metáfora do jardim da mesma forma que Epicuro. No entanto, no diálogo Parmênides, vemos o "mundo das ideias" como uma espécie de jardim metafísico, onde as formas puras, enraizadas no Uno, se conectam entre si. Cultivar um jardim é uma arte que imita a natureza. Para Platão, a arte está representada nas sombras da Caverna, isto é, o que há de mais baixo na escala do ser; uma imitação de imitação já que o próprio mundo físico imita ou participa das ideias eternas. Contudo, é a partir desse vestígio de verdade contido nas sombras que nos elevamos do mundo sensível ao mundo inteligível. A alma bem cuidada, como um jardim bem cultivado, é aquela que, através do conhecimento, cresce no amor pela sabedoria e alcança a virtude e a justiça.


Árvore de Porfírio

Um jardim bem cuidado e belo também evoca a ideia de contemplação. Um lugar onde o ser humano se refugia para meditar sobre a natureza, a vida e o cosmos. A filosofia também é uma busca por uma compreensão ampla e profunda da realidade em sua unidade e diversidade. Não por acaso Porfírio representada a diversidades dos seres por meio de uma a "árvore" conceitual.


O próprio Aristóteles, por exemplo, é antes de  mais nada um grande estudioso da natureza. Seus biógrafos nos informam que ele frequentemente realizava suas lições caminhando em um pátio do Liceu, ensinando o mundo em contato com o mundo. No campo da filosofia moral, a felicidade resulta de uma vida virtuosa. É como o crescimento ordenado de um jardim, onde as virtudes são como plantas que precisam ser cuidadas ao longo do tempo. Em sua Ética, Aristóteles nos ensina que a virtude é adquirida pelo hábito, assim como o jardineiro que pratica seu ofício se preocupa constantemente para manter o jardim bonito e saudável.

 

Por isso, assim como um jardim bem cuidado floresce em beleza e harmonia, o cultivo da alma pela filosofia frutifica em virtude e sabedoria. Com razão afirma Cícero:

"Se tens um jardim e uma biblioteca, nada te faltará".

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