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  • Ivo Fernando da Costa

A religião como origem da filosofia

O caso de Sócrates



Segundo Santo Tomás, a piedade e a religião fazem parte da virtude da justiça. Por justiça se entende a virtude pela qual damos a cada um o que lhe é devido. Já a piedade nos leva a prestar o devido respeito aos pais, à pátria e sobretudo a Deus, que recebe por excelência o título de Pai nosso. Logo, a virtude da religião seria parte da piedade como a virtude que nos faz dar a Deus o que lhe é devido.[1]


Mas o que isso tem a ver com a origem do pensamento filosófico muitas vezes descrito como uma emancipação da razão do pensamento mítico e religioso? Para compreender, devemos olhar para a vida de Sócrates.


Sócrates nasceu ao redor de 470 a.C e morreu em 399 a.C, condenado à morte pelo crime de impiedade (não acreditar nos deuses do Estado, corrompendo a juventude). Ele não escreveu nada, mas sim seus discípulos dos quais Platão foi o de maior destaque. Por meio de seus seguidores, exerceu uma forte influência em toda a cultura ocidental, podendo ser considerado como a primeira pessoa na história a ter uma ideia clara do poder da argumentação lógica em favor da verdade.


Na “Apologia de Sócrates”,[2] Platão descreve o julgamento de seu mestre e como ele se defendeu contra as acusações. Para provar sua piedade, Sócrates contou a história de como ele se tornou um filósofo: em certa ocasião, a Pitonisa do templo de Apolo, em Delfos, proclamou um Oráculo segundo o qual não havia ninguém mais sábio que Sócrates. Isso o deixou desconsertado, pois a única convicção que tinha era sua ignorância.


Ao invés de descartar o Oráculo como uma fraude, assumiu que nenhum deus podia mentir e que, portanto, tinha dito a verdade. Era necessário decifrar o significado desse enigma, tentando encontrar alguém mais sábio. Com isso retornaria a Delfos para indagar sobre o sentido da frase.


Saiu em busca de pessoas tidas como sábias, perguntando-lhes sobre a justiça, o conhecimento, a virtude..., mas nunca encontrou alguém que realmente lhe desse a resposta para essas e muitas outras questões de modo que nunca voltou a Delfos.


De fato, não havia ninguém mais sábio que ele! Não porque sabia muito, mas porque reconhecia a necessidade de conhecer a verdade sobre as coisas e sua ignorância com respeito a elas. Estimulado pelo Oráculo de Apolo, ele desenvolveu seu método de questionamento e foi assim que sua piedade o transformou em um filósofo, pois a busca pela sabedoria — que se reconhece não ter — é o começo da filosofia.


De Sócrates podemos aprender duas grandes lições para nossa vida intelectual. A primeira diz respeito à nossa atitude perante o conhecimento e a verdade: o fato fazer perguntas. Quem reconhece sua ignorância e faz perguntas não pode ser nem um cético, nem um dogmático. Para o cético não é possível alcançar a verdade. Logo, não existiriam respostas e fazer perguntas seria algo sem sentido. Por outro lado, para o dogmático fazer perguntas é desnecessário, pois pensa que já possui todas as respostas. Quem faz perguntas, afirma a existência da verdade, mas reconhece que o conhecimento não é fácil nem intuitivo.


A partir disso temos a segunda lição: a formação intelectual exige o mapeamento de nossa ignorância diante das grandes questões que interpelam o ser humano: Deus, o mundo e o próprio ser humano.


Assim como Platão foi guiado pelas perguntas de Sócrates, da mesma maneira, em nossa vida intelectual, o filósofo não dará as respostas prontas, mas te guiará com as perguntas corretas.


***


REFERÊNCIAS:

[1] SANTO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, I-II, q. 64, a. 2; II-II, q. 81, a. 1-2.; q. 100, a. 1-3.

[2] PLATÃO. A Apologia de Sócrates.

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