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Concepções da Sabedoria e a questão do "eurocentrismo"

Ivo Fernando da Costa

Platão e Confúcio

Seguindo as reflexões de Platão no Banquete, a filosofia pode ser entendida como o desejo e a busca constante pela sabedoria.


Ao contrário do que comumente se pensa hoje, a filosofia, em suas origens, não era um saber desencarnado, uma mera reflexão teórica e abstrata sem impacto na vida pessoal. Ela, ao contrário, era vista como um modo de vida que se elevava na busca dos seus fundamentos últimos e uma reflexão com consequências práticas para a vida.


Aristóteles, no sexto livro da Ética, distingue dois aspectos da sabedoria: prudência (phónesis) e a ciência (epistéme). Phónesis é a sabedoria prática: o hábito de discernir a coisa certa a ser feita em cada momento; a epistéme é o conhecimento certo por meio das causas.


Na filosofia antiga, as duas coisas se complementavam: a phónesis, para chegar a sua perfeição, precisa não só da prática ou hábito de fazer a coisa certa, mas também do conhecimento pautado nos princípios e causas universais últimos da realidade. Como afirma Platão na República, só será verdadeiramente justo quem conhece a justiça em sua essência e não só casos particulares de ações justas. Por outro lado, toda epistéme que não desagua na virtude terminará na esterilidade e na incoerência que falsifica suas pretensões de conhecimento verdadeiro.


Embora nunca tenha desaparecido completamente, essa visão integral da sabedoria foi sendo deixada de lado em favor de uma filosofia puramente teórica: o discurso de um intelectual a uma audiência desconhecida e abstrata. No oriente ocorre uma dinâmica em grande parte inversa. Mesmo que existam exceções como no maoismo, o que se observa é uma maior ênfase na frónesis sem evidenciar de maneira mais explícita e sistemática a visão de mundo implicada em seus modos de vida. Nesse sentido, oriente e ocidente poderiam enriquecer-se mutuamente, pelo menos no que diz respeito a uma mais adequada atitude diante da filosofia.


Sobre o tão famigerado "eurocentrismo" é preciso ter presente que a filosofia ocidental não é homogênea. No caso da filosofia antiga, é um tanto anacrônico aplicar tal conceito a uma civilização que praticamente desconhecia a existência e a produção intelectual do oriente.


Por outro lado, como chamar “eurocentrista” a filosofia medieval que constantemente referenciava autores árabes; que incorporou, a partir das cruzadas, importantes ideias do mundo bizantino ou que defendeu de maneira acirrada os índios do Novo Mundo inaugurando o direito internacional?


O suposto “eurocentrismo” se deve mais aos desvios da modernidade filosófica que, deformando a noção de sabedoria na direção de um pensamento abstrato e desencarnado, passou a desconsiderar o verdadeiro valor da frónesis.

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