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  • Ivo Fernando da Costa

Concepções da Metafísica

Um pouco de história da obra e suas interpretações


Estátua de Aristóteles em Estagira

Muito provavelmente, as obras de Aristóteles que hoje dispomos não passam de apontamentos usados em suas lições ou, até mesmo, transcrições realizadas por seus alunos: uma espécie de subsídio reservado somente para o uso interno no Liceu. Tecnicamente esses textos são conhecidos como escritos “esotéricos” (do grego “ἔσω” que significa “para o interior”).


Em contrapartida, existiam também outras obras destinadas para publicação que foram redigidas em forma de diálogos. Por esse motivo, elas são classificadas como “exotéricas”. Infelizmente, hoje restam só alguns fragmentos delas. Na antiguidade, Aristóteles era reconhecido como um ilustre discípulo de Platão especialmente por conta dessas obras desaparecidas. Por outro lado, os escritos internos tornaram-se praticamente desconhecidos.


Isso ocorreu não só pelas diferenças de gêneros literários e de finalidade, mas também por questões jurídicas. Na época, as leis de Atenas não permitiam que um estrangeiro possuísse propriedades ou herdasse bens. Depois da morte de Aristóteles, seu discípulo Teofrasto se manteve por 35 anos como administrador do Liceu graças ao novo governo pró-macedônico.


Embora o momento fosse favorável, o sucessor de Aristóteles — aparentemente visando blindar o coração do Liceu das oscilações políticas — deixou em seu testamento toda a biblioteca para Neleu por ser ele, ao que tudo indica, seu legítimo herdeiro. Era necessário alguém com plenos direitos civis para garantir os bens da instituição.


Infelizmente Neleu era uma figura sem fortes laços com o projeto educativo de Aristóteles e, quando lhe pareceu conveniente, não hesitou em mudar-se para a Ásia Menor, levando consigo as obras do mestre. Ali, os manuscritos foram escondidos em um porão para evitar que fossem roubados, permanecendo esquecidos por mais de duzentos anos.


No começo do século I, a família de Neleu simplesmente vendeu os livros para um colecionador de Atenas: Apelicão de Teos. Pouco tempo depois o general romano Sula conquistou a cidade (86 a.C.) e os manuscritos de Aristóteles foram levados para Roma onde se fizeram algumas cópias. Anos mais tarde, uma delas foi entregue a Andrônico de Rodes, que dirigia o Liceu como o 11º sucessor de Aristóteles (78-47 a.C.). Foi ele quem realizou a primeira edição “crítica” das obras do Estagirita ordenando-as em uma sequência lógica.


Nesse trabalho de edição, ele encontrou uns manuscritos sem título que se colocariam depois dos livros da Física. Andrônico, então, os nomeou como “Ta Meta ta Physica”, isto é, “para além das coisas físicas”. Ao longo da história esse título se consolidou em sua forma abreviada: “Metaphysica”.


Embora a palavra “Metafísica” não apareça nenhuma vez nos textos, ela reflete muito bem seu conteúdo. Por outro lado, sempre se reconheceu que as doutrinas ensinadas por Aristóteles na Metafísica careciam de uma ordem sistemática; muitos temas se repetiam ou eram abordados de forma diferente, refletindo seu caráter “esotérico”.


Busto do Pe. Francisco Suárez Granada

Devido a essa característica, desenvolveu-se desde a antiguidade uma tradição de se comentar essa e outras obras de Aristóteles a fim de evidenciar seu sentido e facilitar seu entendimento. O próprio Santo Tomás escreveu um comentário massivo dos primeiros 12 livros da Metafísica. O último trabalho nesse sentido foi o do jesuíta Pedro da Fonseca, o Aristóteles Português, que também redigiu um extenso comentário da Metafísica no século XVI.


Esse costume mudou quando outro jesuíta, Francisco Suárez escreveu as suas “Disputações Metafísicas” (1597): obra que se converteu no primeiro tratado sistemático de Metafísica da história, sendo até hoje o texto mais extenso e exaustivo sobre o assunto. O próprio Suárez nos reporta seus motivos:


“[...] por ter sempre acreditado que grande parte da eficácia na compreensão e aprofundamento dos problemas reside no método apropriado de investigação e julgamento, que só com dificuldade e talvez nem mesmo assim conseguiria seguir se — de acordo com o costume dos comentadores — tratasse de todas as questões ocasionalmente tal como surgem no texto do Filósofo [Aristóteles]. Por conseguinte, julguei que seria mais útil e eficaz, mantendo uma ordem sistemática, investigar e colocar perante os olhos do leitor todas as coisas que podem ser estudadas ou que faltam no que diz respeito ao objeto íntegro dessa sabedoria.” (FRANCISCO SUÁREZ, Disputações Metafísicas, Introdução geral).

No contexto desse intuito, Suárez faz, já na primeira Disputa, um levantamento sistemático dos nomes que representam as diversas concepções da Metafísica. Elenco e explico brevemente cada um deles:


a) Antes de mais nada, esta ciência é “sabedoria”. O sábio é aquele que em certa medida conhece todas as coisas e a Metafísica tem como objetivo conhecer todos os seres à luz da razão natural.


b) Em segundo lugar, essa sabedoria é também “Filosofia Primeira” porque ela estuda todas as coisas à luz de suas causas mais elevas e universais. De fato, quanto mais particular for uma causa, mais restrito e localizado será seu escopo. Logo as causas maximamente universais que se aplicam a todos os entes serão também as primeiras e mais abrangentes.


c) Mas Deus é a causa universal e primeira de tudo quanto existe. Daqui que, em terceiro lugar, a “Filosofia Primeira”, buscando as causas últimas, termine se ocupando também das coisas Divinas. Por isso, ela também se concebe como “Teologia Natural”.


d) Mas Deus é uma realidade totalmente espiritual. Por isso, a “Teologia Natural” também se chama Metafísica; seu conhecimento prescinde das coisas sensíveis e materiais, seja considerando as que são absolutamente separadas da matéria como Deus e os anjos, seja estudando os princípios universais de todo ser que podem ser pensados sem matéria.


e) Finalmente a Metafísica se concebe como a “Senhora de todas as ciências”, pois as excede em universalidade e dignidade, regendo e confirmando os princípios ontológicos basilares sem os quais é impossível produzir qualquer conhecimento.


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