“ANIMAL RACIONAL”.
Eis a mais célebre definição do homem. Sob uma ótica cientificista, tal conceito implicaria não haver nada mais contrário à racionalidade de nossa essência que o ato de fé: algo — quando muito — tolerado como expressão da subjetividade; um resquício de culturas arcaicas pautadas no mito e no autoritarismo que, graças à ignorância, ainda perduram na sociedade contemporânea construída sobre as evidências da ciência.
No entanto, argumento que essa é uma leitura totalmente falsa: aquilo que deve ser considerado como diametralmente oposto à nossa condição humana é a ambição de desumanização da fé. Para compreender isso, é preciso ter presente como fé é verdade estão relacionadas no juízo.
O juízo é uma operação mental pela qual atribuímos um predicado a um determinado sujeito, por exemplo, “a parede é branca”. A verdade, nesse contexto, representa a conformidade do intelecto com a realidade expressada na proposição.
Nessa relação entre mente e coisa conhecida, entram em jogo dois atos distintos da razão: um objetivo pelo qual apreendemos uma verdade sobre algo e outro subjetivo pelo qual a razão dá o seu sim (assentimento) àquilo expressado no juízo.
Dependendo do grau de assentimento, podemos ter diferentes estados da mente diante da verdade. São eles: certeza, dúvida, opinião e fé. Todos dependem do modo como se estabelece a conexão entre sujeito e predicado em um juízo.
Em certos juízos, o intelecto percebe com evidência e necessidade o vínculo entre sujeito e predicado; por exemplo: “o todo é maior que as partes”. Temos aqui uma certeza advinda da luz de nossa própria razão por meio da qual aderimos à verdade sem medo de errar.
Na dúvida, não há evidência da verdade ou falsidade de uma afirmação e por isso nosso juízo se encontra suspenso. Na opinião, o intelecto se inclina para uma das alternativas, mas sem um firme assentimento por considerar que as evidências são insuficientes.
Pela a fé, aderimos com certeza a uma verdade. Mas a causa do assentimento não é nossa própria luz intelectual que revela a evidência da relação entre sujeito e predicado. Nesse caso, é a vontade que nos move na aceitação da verdade com base na credibilidade do testemunho e da autoridade de quem nos comunica algo.
Por exemplo, quando presenciamos uma aula de história e assentimos ao que o professor nos diz, estamos fazendo um ato de fé. E se refletimos com atenção, praticamente tudo que conhecemos foi aceitado, pelo menos inicialmente, como um ato de fé. Mais ainda, a maioria de nossos atos concretos do dia a dia tem a fé como fundamento: a preferência que outro motorista me dá no trânsito, a comida que pego no restaurante, o imóvel que penso comprar, etc.
Há diferenças, certamente, entre fé humana e fé sobrenatural. A fé natural é um aspecto essencial de nossa condição humana. Sem ela nossa racionalidade ficaria atrofiada pelo fato de seu pleno exercício depender de outros que nos tramitem a verdade, mesmo que possamos, em princípio, ter evidência imediata dos conhecimentos adquiridos pela fé.
No que se refere à Fé revelada, embora algumas de suas proposições não estejam ao alcance da razão, essencialmente ela possui a mesma dinâmica da fé humana: a aceitação de um juízo em função da credibilidade de uma autoridade. É por isso que estamos antropologicamente abertos à revelação divina.
Em suma, pela fé não só desenvolvemos todo o potencial de nossa razão, mas é por ela que conseguimos inclusive ir além do que é naturalmente possível conhecer.
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