Sobre a natural religiosidade da pessoa humana
As manifestações religiosas são um fato inegável de todas as culturas e de todos os tempos. Obviamente, isso não significa que todas as religiões são boas ou verdadeiras.
Devemos distinguir entre o fato — que no homem sempre tem existido um desejo de conhecer e honrar uma Realidade Superior — e o modo como este impulso na prática se realiza. A questão aqui não é saber qual é a religião verdadeira, mas compreender como a religiosidade é algo natural para o homem.
Embora o ateísmo, mais concretamente o militante, alcance cada dia novos fiéis, devemos sem dúvida alguma afirmar que este impulso de conhecer e amar a Realidade Transcendente não é um fato cultural ou histórico, mas uma característica enraizada no mesmo ser da pessoa humana.
No entanto, não basta dizer que o ser humano naturalmente procura a Deus para que de fato seja assim. Da mesma maneira, não é suficiente dizer que existem pessoas que professam o ateísmo para falsificar um fato atestado por séculos. É necessário que a resposta se fundamente no próprio ser da pessoa humana.
Sem a ambição de esgotar essa questão, me parece que uma pista muito boa para encontrar a resposta está no desejo de todo ser humano em procurar o bem e a felicidade. Nas palavras de Boécio: “Os mortais têm todos uma única preocupação pela qual não medem esforços; seja qual for o caminho tomado, o objetivo é sempre o mesmo: a felicidade.”[1]
Mas junto com esse fato, observamos uma tremenda desproporção entre nosso desejo de ser feliz e as coisas boas que encontramos no horizonte de nosso dia a dia. Os bens concretos são todos limitados, mas a inclinação da vontade ao bem é ilimitada.
Em outras palavras, parece não haver na realidade um objeto adequado ao nosso desejo de felicidade. Daí concluímos que os bens materiais não podem nos proporcionar a plena felicidade, porque estas realidades não são apreendidas pelo intelecto nem desejadas pela vontade como fim último e objeto de nossa realização.
De fato, dizemos que uma coisa está realizada quando ela cumpre seu fim: uma caneta é boa porque escreve bem, uma faca porque corta com eficácia, etc. De modo análogo, o homem se realiza na medida em que realiza seu fim.
Mas qual seria o fim da pessoa humana? Para poder vislumbrar uma resposta, temos que tomar em conta — além desse desejo espontâneo ao bem ilimitado — nossa condição como pessoas dotadas de dignidade.
Por sermos pessoas não podemos encontrar a felicidade e a realização plena (diga-se o nosso fim último) em uma realidade que não seja também uma pessoa.
Por nossa inclinação natural à felicidade e ao bem ilimitado, o fim e a realização última da pessoa humana não pode ser uma realidade limitada, mesmo que ela seja também outra pessoa.
Assim, a partir do nosso mesmo modo de ser, vemos que o fim último, e por tanto a verdadeira felicidade, deve estar em uma Pessoa Infinita, ou seja, Deus.[2]
Se o desejo de conhecer e amar a Deus é natural, igualmente a religiosidade não será um produto da história e sim uma realidade escrita pelo criador em nossos corações.
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[1] SÃO SEVERINO BOÉCIO, Sobre a Consolação da Filosofia, Livro III, prosa 2.
[2] SANTO TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, I-II, q. 2, a. 8.
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