
Santo Tomás nos ensina que o conhecimento humano parte sempre dos sentidos. Somente a partir dos estímulos apreendidos pelos sentidos externos e das imagens sensíveis elaboradas pelos sentidos internos (memória, imaginação, sentido comum e cogitativa) é que podemos abstrair e compreender as noções universais.
Os símbolos desempenham um papel importantíssimo no processo do conhecimento, fornecendo ao intelecto exemplos, imagens e analogias com realidades mais imediatamente conhecidas para que, dessa forma, possamos alcançar aquelas verdades universais e necessárias que são tais precisamente por estarem mais afastadas do mundo sujeito às contingências da matéria.
Esse é o sentido da iconografia e dos simbolismos cristãos. Negar a licitude dos símbolos e a instrumentalidade do uso das imagens pressupõe uma visão antropológica empobrecida. O homem não é um ser puramente espiritual; sua essência inclui indissoluvelmente a união de alma e corpo trabalhando em conjunto. Santo Tomás é muito enfático nisto: sem as faculdades cognitivas corporais, não seríamos capazes de fazer nem sequer uma intelecção.
A iconografia cristã possui uma rica gama de simbolismos que servem como instrumentos que nos conduzem a uma compreensão mais profunda, pessoal e encarnada das verdades espirituais. Na constelação dos mistérios da fé, a Eucaristia ocupa um lugar central cuja instituição celebramos hoje nesta Quinta-Feira Santa.
Um dos símbolos – bastante esquecido – que ilustra este mistério é o do pelicano alimentando seus filhotes. Trata-se de uma lenda pré-cristã que, junto com outras como a do unicórnio e a da Fênix, foi recolhida na obra “Fisiólogo” por um autor do século II, em Alexandria, que as vinculou de maneira alegórica às verdades da fé.
Devido provavelmente a uma enfermidade, alguns desses animais ficam com a plumagem avermelhada próximo da região onde o bico toca o peito. Isso levou à crença de que o pelicano, em períodos de escassez, alimenta seus filhotes com seu próprio sangue. Outra versão da lenda narra como as crias em sua fome terminam machucando a mãe e esta, revidando, acaba ferindo-as mortalmente. Três dias depois, a mãe, sem encontrar alimento, se sacrifica abrindo o próprio peito e dando do seu sangue para curar e salvar seus filhotes.
Tudo isso levou os cristãos a associarem a imagem do pelicano com os eventos da paixão de Cristo e com a instituição da Eucaristia, na qual o Senhor nos oferece seu corpo e sangue como alimento. O pelicano simboliza Jesus que nos redimiu com o sacrifício de sua paixão e morte.
Estávamos mortos pela rebelião do pecado, mas encontramos uma nova vida através do Sangue de Cristo. Além disso, Cristo nos alimenta continuamente com seu corpo e sangue na santa Eucaristia.
Séculos mais tarde, Santo Tomás incluiu o símbolo do Pelicano em seu belo e profundo hino Eucarístico que rezamos hoje: o “Adoro te devote”. Deixo a seguir a versão latina do Hino e a tradução que fiz dele.
O memoriale mortis Domini! panis vivus, vitam praestans homini! praesta meae menti de te vivere et te illi semper dulce sapere.
Pie pellicane, Iesu Domine, me immundum munda tuo sanguine; cuius una stilla salvum facere totum mundum quit ab omni scelere.
Te cum revelata cernam facie, visu tandem laetus tuae gloriae; Patri, tibi laudes et Spiritui, dicam beatorum iunctus coetui. Amen. | Memorial da morte do Senhor! Pão vivo, dando vida ao homem! Concede à minha mente viver de ti e que ela sempre te saboreie docemente.
Senhor Jesus, Piedoso pelicano, estou imundo; purifica-me com teu sangue, do qual única gota pode salvar o mundo inteiro de todo pecado.
Que eu possa ver tua face revelada; finalmente, com a alegre visão de tua glória, Direi louvores ao Pai, a ti e ao Espírito Santo unido ao glorioso grupo dos bem-aventurados. Amém. |
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